A sutileza do amor

Desperta. São 7hs da manhã de uma segunda-feira nublada e fria.

Ele não levanta de imediato, sente o calor da cama por mais alguns segundos. Relembra a noite anterior e sorri. Sorri um desses sorrisos de guri bobo, que vez ou outra lhe roubam o rosto e magicamente o transformam em um ser comum, leve e desprovido de preocupações.

Um ser comum e acessível, desses que é possível encontrar em uma fila de padaria, iniciar uma conversa irrelevante sobre o clima chuvoso ou a crise política, trocar telefones e em dois ou três anos, ver aquele mesmo sorriso te esperando no altar para lhe declarar amor eterno em boas ou más circunstâncias.

Ele levanta, prepara o café naquela caneca ridícula que lhe foi presente de amigo secreto. Senta na mesa na companhia do jornal impresso, o telejornal, e inúmeras plataformas digitais de informação.

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Analisa,  pondera, se intriga, sublinha, guarda link, compartilha, se surpreende e por vezes seu rosto esboça sorriso ou indignação. O mesmo ritual, de toda manhã desde que aprendeu a ler. A mesma mania de querer fazer parte do mundo inteiro. O mesmo talento de reunir todas as soluções em sua mágica poção de conhecimento.

Ele liga o chuveiro, toma banho, apara a barba, veste – se e antes de partir, deita-se sobre as cobertas por mais alguns minutos. Relembra notícias lidas, relembra sonhos a muito dispensados por falta de tempo, relembra a noite anterior e sorri. Sorri aquele sorriso de guri desprendido que é capaz de paralisar a mais caótica estação de metrô.

Sorri e relembra canções da adolescência que falavam sobre amor, fuga e insensatez. Ele sorri sereno e pondera até que ponto seria realmente insano largar tudo e jogar-se verdadeiramente nos braços do que lhe causa felicidade. Ele ri de si mesmo, e antes de levantar da cama, beija o rosto da jovem preguiçosa e cheia de sonhos. Beija com cuidado para não a despertar de seu mundo perfeito e silencioso.

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A contempla por mais um par de minutos. Era definitivamente a maior descoberta que ele já havia feito, sem o auxílio do Google ou qualquer outra fonte de informação.

Sai do quarto, pega seus documentos e enquanto fecha o apartamento admite para si mesmo: O amor revelou – se onde sempre esteve. Sempre ao alcance de seus olhos, na sua agenda de telefones, no seu cotidiano. E ele, apesar de tantos diplomas e idiomas, não conseguiu perceber o que já era óbvio.

Porque o amor, bem, o amor não é dessas notícias que ocupam uma página inteira de um jornal de domingo. Ele é sutil, por vezes tímido e receoso. Ele é aquele pequeno e discreto anúncio de 18 palavras em meio a uma poluição visual de letras em CAIXA ALTA.

Só encontra amor quem procura amor. E naquela fria manhã de segunda, ele se permitiu procurar o amor, não decepcionando-se em sua busca. O amor se apresentou preguiçoso e sonolento, em um emaranhado de edredons, travesseiros e cabelos crespos. O amor apresentou – se inocente e confiável, e ele fechou a porta do apartamento torcendo para que o amor o esperasse para almoçar.

Deborah Anttuart

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