Sobre dividir uma vida com você!

Eu não tô te pedindo pra dividir uma vida comigo, as prestações que não param de chegar – até seria bom, mas deixa pra lá – , nem a conta do restaurante.

Eu sei que vivo de chinelo e com um monte de nó na cabeça e você tá sempre de cabelo preso e com todas as respostas na ponta da língua.

Que você quer ter três filhos e eu afoguei o meu peixe quando tinha quatro ou cinco. Sei que você almoça com a sua avó aos domingos e eu acordo às 14:30.

E também sei dos seus livros de cabeceira, que você não passou nem da metade, da pizza na casa daquela sua amiga chata no sábado.

E você sabe daqueles textos que eu tô martelando pra escrever e que no sábado vou sair com aquele meu amigo que você ficou xingando outro dia.

Por isso, eu só queria te pedir pra dividir um balde de pipoca comigo e o outro assento do meu sofá de couro. Pode ser a cama, se preferir. Quero fazer você se render ao meu papo furado, às minhas piadas sem graça, ao meu sorriso torto.

Não quero te desvendar por inteira, saber o que você fez em outros carnavais, pra quem tá torcendo no Master Chef, se tá querendo dominar o mundo ou alguém.

Eu não quero me encaixar na sua vida porque já tenho uma que nem eu caibo direito. É que dentro disso tudo tem tanto entulho guardado, tantas listas que a gente faz, desfaz e faz de novo, que às vezes até eu acabo me perdendo. Você tem um alfabeto inteiro de planos e eu só tenho um dia por vez.

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Depois que eu engessei a mão que me permitia segurar o mundo, larguei a faculdade e bati no para-choque de um carro, eu percebi que esta estrada da vida é grande demais pra ser asfaltada em tantas certezas que tanta gente acha que tem.

Sabe, às vezes nós pegamos um ônibus e achamos que ele vai nos levar aonde queremos chegar no final disso tudo. Só que em outras, o pneu fura ou os assentos estão lotados de gente que também tá querendo chegar lá, ou então percebemos que era o ônibus errado e temos que descer na próxima parada.

Nessa estrada você já achou o seu ônibus. Mas talvez só ache que achou, vai saber. E ainda que você já esteja a quilômetros de distância e eu quase te perca de vista, você tá tão preocupada se vai conseguir terminar a faculdade a tempo de ainda estar com vinte e poucos pra tirar doze meses se aventurando pelo Sul da Califórnia e falando inglês, pra então conseguir um emprego que te permita viver tranquilamente aos trinta e comprar um apartamento na Vieira Souto, que você nem percebe quanta coisa tá perdendo do lado de fora.

E é por isso que eu não tô te pedindo pra dividir uma vida comigo, porque você já chegou de mala e cuia e aqui tem tanta coisa pra se jogar fora, que não teria espaço pra você se ajeitar.

Já tá escuro e logo a chuva vem. Entra, fica só mais cinco minutos, que eu não prometo te fazer ficar uma vida inteira, mas até amanhã de manhã.

Entra. Só você. Sem pressa pra acabar o que nem começou. E que nem sei se passa desta noite.

Gustavo Meneses

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