Quando o amor simplesmente desbota

É domingo, estou em outro almoço com a família da namorada naquele restaurante de sempre. O pai dela vai me perguntar se estou gostando do novo emprego. Sua mãe irá dizer que adorou o filme que indiquei na semana passada. Ela, por sua vez, vai dizer que me ama sem olhar nos meus olhos, enquanto responde as mensagens no Whatsapp. Eu direi o mesmo e vou sorrir. Conversaremos sobre a festa que estivemos ontem e sobre como queremos fazer aquela viagem que planejamos no ano passado. Mas algumas coisas não serão ditas nesta mesa, em que sorrimos por fora, mas que nos atormenta por dentro.

Há um vazio em toda esta situação. Um silêncio de quando a paixão arruma as malas e vai embora sem que ninguém perceba. Uma escuridão criada por um sentimento que tomou o primeiro ônibus para o esquecimento, deixando para trás a sensação de que estamos os dois perdendo aqui, nos perdendo um do outro, desatando um nó que havia e que, hoje, deixou somente os cordões de um tênis gasto. O problema nunca foi o restaurante, nem a dificuldade de achar uma vaga para estacionar o carro. O pai dela foi atencioso como sempre e a mãe, por sua vez, carinhosa. Ela disse que me ama e eu sorrio respondendo o mesmo. O mesmo.

E da mesmice surgiu o cinza dos nossos dias. O problema é a rotina que virou nosso relacionamento. O problema é o relacionamento ter virado uma rotina. E eu continuo sorrindo, dizendo as mesmas coisas e fazendo os repetidos programas aos finais de semana por ser cômodo. Sem me incomodar. Sem querer. E querendo. É confuso de se pensar, mas, quando percebo, estou em uma prisão, sentado à mesa corrigindo o pai dela, que insiste que eu torço para o Santos quando, na verdade, nem de futebol eu gosto.

E aí voltamos para sua casa. Pergunto se não gostaria de fazer algo diferente e ganho um “sim” como resposta, seguido de um “talvez”, que se transforma em “tanto faz”. Tanto faz. Tanto faz que nada faz, nada faço e ficamos imóveis em um roteiro repetido, debruçados nos móveis de sua sala e em cima de um desconforto perfeito, como se estivéssemos relaxados em um bom final – sendo que nenhum de nós entende de finais, afinal estamos presos no capítulo chato da série que parece nunca acabar.

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E é quando estamos em seu quarto que percebo o quanto nos arrastamos até lá, mas pouco parece importar. Transar é bom e parecemos querer. Não sei se ela comigo ou eu com ela, mas estamos com as portas fechadas e o mundo ali é nosso, no nosso enredo, na nossa rotina, junto ao nosso piloto automático amoroso, agarrados aos nossos medos e perguntas silenciosas de “o que aconteceu com a gente?”. Somos como uma repetição quase sem cor, com respostas prontas em uma secretária eletrônica.

E é quando o zíper da calça se abre sem vontade e a camisa é desabotoada sem interesse, que as coisas vão ficando mais claras. É quando você se dá conta que tem compartilhado sua vida com alguém em um relacionamento vencido, fora do prazo de validade. É quando o beijo perde o gosto, o abraço perde o calor e ficar por perto não parece mais tão bom como já foi um dia. É quando o amor, sozinho, não sustenta.

Mas muitas vezes você não percebe. Ou finge não saber. Hoje, sua inconsciência está aqui te contando, do mesmo jeito que o Pedro, seu melhor amigo, lhe perguntou na semana passada como estava o namoro e você disse “tudo bem”. Da mesma forma em que a Julia, sua amiga que vez ou outra é motivo de alguma briga de ciúmes, te questionou ontem e você respondeu que “vai bem”. Mas você diz que está tudo bem da mesma forma em que mantém as aparências naquele almoço de domingo com a família. Aquele mesmo, em que o pai dela pergunta como vai o novo emprego e a mãe diz que gostou do filme que você recomendou. Aquele, em que ela diz que te ama e você sorri.

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