Nós vivemos em uma selva. Se você não sabe sobreviver, será devorado, não existe meio termo.

Certo, você vai me chamar de fofoqueira, mas eu presto atenção nas conversas no ônibus. Não é porque quero saber da vida alheia, mas tenho a mesma sensação de estar sentada lendo um livro e assistindo os cenários se construindo diante dos meus olhos. No ônibus, eles se constroem diante dos meus ouvidos. Você já parou para prestar atenção nas centenas de vidas diferentes que se cruzam dentro de alguns minutos dentro de um ônibus no caminho para o trabalho ou para a casa?

Naqueles olhares perdidos pela janela, nos últimos minutos antes da prova, no caminho para uma entrevista de emprego, para o último dia no trabalho, para um trabalho super legal, para um dia agitado, depois de discutir com o marido em casa, discutindo com a namorada no WhatsApp, mandando um bom dia no grupo da família, marcando um encontro para mais tarde, flertando com aquela mocinha que sempre pega o ônibus no mesmo horário que você…

São infinitas possibilidades! E além das suposições que podemos fazer sobre os cenários da vida alheia, existem aqueles possíveis de materializar, baseados nas conversas que fatalmente ouvimos.

Ontem, na dança do acotovelamento, entrei tranquilamente e me sentei em pleno horário de pico. Sortuda! Fiquei prestando atenção se alguém precisava muito mais daquele lugar que eu. Estacionou perto de mim uma senhora de talvez uns 48 anos, vestida com um uniforme de colégio, acho que era professora ou estava estagiando, toda atrapalhada entre se segurar e carregar a pasta e a mochila que trazia com ela. Não, eu não levantei! Mas me ofereci para levar as coisas dela. É, eu não sou tão altruísta assim… Mas vamos lá.

Acho que ela conhecia a senhora que sentou do meu lado, pela intimidade com que conversavam. Mas o que me chamou a atenção foi que ela estava claramente desesperada com aquela noite de aventuras. Era a primeira vez que ela pegava um ônibus! Minhas antenas captaram a fala “meu marido que me traz, agora vou ter que aprender né, ele vai precisar viajar sempre agora”.

Não estava interessada na vida pessoal dela, na verdade me desconectei da conversa quando elas seguiram falando sobre onde seria o melhor ponto para embarcar e desembarcar. Olhei pela janela, pensando no sentimento quase infantil daquela mulher, madura, aflita, com medo de não saber o ponto certo para desembarcar e se perder. Eu tive essa mesma sensação quando tinha 10 anos e saí para fazer uma entrega para meu pai que tendo anotado todas as coordenadas sobre a linha e o ponto em que eu deveria descer, me entregou o papel e me disse “não volte para a base sem cumprir a missão”.

Eu pensei na dependência que as pessoas criam umas das outras. Existem aqueles que sabem resolver todas as coisas e aqueles que repousam na comodidade de que alguém vai resolver por eles. Em todas as frentes da vida existem essas situações, seja no trabalho, na vida pessoal, familiar… Muitas pessoas e, eu não me arrisco dizer se é a maioria ou se existe um equilíbrio, mas, muitas pessoas não sabem se virar sozinhas. Dependem, pela incapacidade de gerir seus próprios assuntos ou por comodismo, de alguém que resolva as coisas para elas. E não estou falando apenas de mulheres indefesas e dependentes dos seus maridos, não existe gênero aqui, mas ali no ônibus pensei um pouco nas mulheres.

A situação no ônibus me fez pensar que existem, em pleno Século XXI, mulheres dependentes dos seus maridos, esperando que eles resolvam a vida delas e da família, que comprem a carne no açougue e o tênis das crianças para o ano escolar, que se preocupem se a conta de água está paga e que saibam dirigir para levá-las para lá e para cá. Mulheres que enchem a boca de dependência para responder: “preciso ver com o meu marido”, não porque tem um parceiro nas decisões, mas porque tem alguém para tomar decisões por elas, enquanto se ocupam com os assuntos de mulher, como a marca do amaciante ou o cardápio do jantar.

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Quando vagou um lugar, a mulher se sentou ao meu lado e me perguntou se o ônibus passava por um determinado local. Expliquei para ela em que pontos deveria prestar atenção para saber onde descer e observei-a saltando do ônibus receosa de estar no lugar certo. Lembrei-me da minha avó ficando viúva depois de 30 anos de casamento com um homem (maravilhoso) que resolvia tudo para ela. De repente, ela tinha que saber onde estava as contas, o que comprar no mercado para o mês todo e como abastecer o carro. De repente ela teve de deixar de ser a esposa de alguém e se tornar uma pessoa. Desci do ônibus com esse pensamento. Dependência…

Refletir na dependência me remeteu para um leque de outros pensamentos. Sou totalmente a favor da independência de quem quer que seja, homem, mulher, todo mundo tem que saber viver e sobreviver. Um filho não pode eternamente depender da mãe para lavar sua roupa ou cozinhar, a mulher não pode depender de um homem para os assuntos de “homem” e um homem não pode depender de uma mulher para os assuntos de “mulher”.

Nós vivemos numa selva, temos a obrigação de saber sobreviver.

E pensando na independência, pensei em mim mesma. Ah, não, eu não sou totalmente independente! Existe muita coisa que eu não tenho competência para fazer. Outro dia eu precisava fazer um buraco na parede e perguntei para um amigo se ele tinha uma furadeira. Ele me olhou e disse: “Ah, está precisando de ajuda agora? Não é você que sabe fazer tudo sozinha?” Senti um prazer naquelas palavras e no sorriso que ele me deu ao esfregar na minha cara que eu não era tão independente assim. Eu não sei mesmo mexer em furadeiras.

Minha última tentativa fez uma tatuagem na parede!  Não troco o gás da cozinha, a resistência do chuveiro, o pneu do carro, não entendo nada de mecânica de automóvel e mais uma porção de coisas. Mas eu tento sobreviver. Sozinha, sim! Claro que às vezes cai uma coisa que achei que tinha aparafusado, explode uma tomada que fiz, mas são detalhes (risos).

Mas o que deveria ser uma vantagem, um plus na vida de uma mulher e nos seus relacionamentos  (e sim, aqui os homens ficam de fora, porque em nossa sociedade machista o homem que sabe fazer de tudo é um partidão, prendado, já a mulher…). Então, o que deveria ser uma vantagem, vira uma forma de intimidação. Por favor, queira consultar no Google sobre a relação entre mulheres independentes e solitárias. É assustador! Tem um link que diz “Mulheres inteligentes tendem a permanecer solteiras”.

Parece que a inteligência e independência é algum tipo de maldição na vida das mulheres. Por isso muitas se encolhem no comodismo de ter um “homem resolve tudo”. Quem quer ser solitário?!

A culpa da solidão da independência não é só do homem que tem medo da concorrência. Eu não sei o que afasta os homens de mulheres fortes e resolvidas, se é medo, se é pela concorrência, insegurança, se é o fato de eles não poderem ser tão alfas ao lado delas ou precisar fazer muito mais do saber pregar um prego na parede para impressionar. As mulheres são culpadas também. Ficam mais intolerantes e seletivas, porque não vão buscar um motorista, um cozinheiro, faxineiro, carpinteiro ou pedreiro para dividirem a cama.

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Nós (é, eu vou me incluir!), queremos um PARCEIRO! Um amigo, um companheiro, bom de papo, bom de cama, que goste dos nossos gostos e nos ensine gostos diferentes, alguém que se some a nossa cultura e expanda o nosso universo. Os serviços podem ser terceirizados, mas a parceria é impagável. E ficamos sozinhas, porque isso parece um bicho de sete cabeças. Em pleno Século XXI. A menos que a gente tire a sorte grande de encontrar um Homem muito macho, que sinta prazer no desafio. Já falei que sou sortuda?

Mulheres independentes pagam o preço. Não raro repelem parceiros interessantes e atraem os oportunistas. Precisam vez por outra se encolher para dar espaço para toda a masculinidade cultural que habita o mundo. Eu conheço muitos homens que levam casos paralelos porque tem em casa mulheres dependentes, que precisam deles para passar na farmácia no caminho para casa e deixam de ser interessantes porque se tornam um fardo.

Interessante é a amante, cheirosa, independente, pronta para o colo e o beijo ardente que o cheiro de alho no preparo do jantar bloqueiam em casa. Mas não vejo esses homens deixando suas esposas dependentes para assumir um relacionamento com as amantes interessantes. Porque eles precisam de um lar onde possam voltar e assumir o controle (o da TV e da vida da família)? Curioso…

Veja… Existe todo um universo que pode ser extraído de uma conversa paralela no ônibus, no caminho para casa… Ontem eu pensei que a independência é, no mínimo, uma questão de sobrevivência.

Se você tem filhos, ensine-os a sobreviver, começando por saberem lavar os próprios calçados e a louça, mesmo que demorem um dia inteiro e gastem todo o sabão, a gente aprende errando, mas precisamos começar de algum ponto.

Se você é adulto (a), aprenda a sobreviver. Seja a pessoa que sabe fazer um depósito no caixa eletrônico ou comprar legumes na feira, saiba consultar um assunto no Google ou procurar um telefone na lista. Aprenda a fazer pequenas coisas que te pouparão de ser explorado seja por um prestador de serviço que detém o conhecimento ou pelo parceiro (a) que vai te colocar uma coleira com uma plaquinha para o caso de você se perder.

Nós vivemos em uma selva. Se você não sabe sobreviver, será devorado, não existe meio termo. Seja por seus pais dominadores, pelo (a) namorado (a), cônjuge, patrão, colega de escola, de faculdade, alguém sempre se aproveitará do fato de você não saber sobreviver, sempre controlará a sua vida e ditará seus passos.

Uma colega de faculdade me disse uma vez, depreciando a ela mesma: “Fazer o que, uns nascem para puxar a carroça e outros para andar sobre ela”. E eu só posso dizer que… Ela tem toda a razão!

Agora me diz… Eu sou fofoqueira? Não! Eu só faço o que me diz certo alguém corajoso e alfa que conheço, reflito na minha vida observando a vida dos outros. Vai por mim, o ônibus é um ótimo local para isso (risos)!

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Luciana Marques

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