Não temos muito tempo

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Perdi tempo demais não abraçando as pessoas que eu amava por bloqueio, os trocos em bala que eu nunca deveria ter aceito. Perdi tempo demais não dando beijos demorados na rua por medo de ser julgada, a vontade de responder uma questão em sala de aula, que eu sabia que estava correta, mas me calava por medo da exposição. Perdi tempo demais vivendo de nariz empinado tentando esconder a dor na arrogância.
Fevereiro de 2004 fui morar em uma nova casa. Lá, entre idas e vindas, pela primeira vez, comecei a nutrir um amor platônico por um guri que não arrancava os olhos de mim. Ficamos nessa durante uns três anos. Ia ao mercado, voltava da escola, e nos comunicávamos pelos olhares e alguns sorrisos quando ninguém estivesse por perto. Ele estava nas minhas melhores histórias e nas orações das minhas noites. Amadureci no platônico, imaginando o dia que a utopia ganharia espaço entre o presente.

Perdia minhas tardes na escada de casa para vê-lo passar, reunia todas as minhas ideias, a fim de estudar o seu jeito misterioso e arquitetar um plano para diminuir o equívoco dos metros. Ah, como eu amava aquela camiseta azul da Argentina, o corpo branco e magrelo, o cheiro de bala uva-verde quando a calçada nos permitia uma maior aproximação. Foram dois anos para eu conseguir dar um mísero “oi” e umas duas fracassadas tentativas de puxar assunto. Nosso diálogo era mudo, ficamos íntimos apenas nas expressões a distância. Apenas.
A minha mãe, depois de algum tempo, resolveu aceitar uma proposta de emprego. Juntamos nossas coisas e fomos embora. Chorei uma semana inteira por nunca ter tido a coragem de dizer que gostava dele como nunca havia gostado de ninguém. Que os meus sentimentos, embora fossem por um desconhecido, não desmereceria a verdade deles.
No natal de 2007, já morando no novo lugar, consegui o seu número com muito custo através de um velho amigo. Era mais de meia noite quando liguei, e, na quarta chamada, ele atendeu:
– Alô?
– Não fala nada, apenas me escuta. Nunca foi fácil para eu te dizer isso, e agora não seria diferente. Portanto, tenha paciência com os meus gaguejos…
Foi mais de uma hora no telefone de declaração. Só eu falava. Conseguia perceber a sua respiração ofegante, mas os meus muxoxos e a soletração contínua das frases, eram categóricas. Quando finalmente cheguei ao fim, exausto pela situação, ele concluiu:
Agora? Por que somente agora fizeste isso? Depois te tanto tempo? Desculpa, mas eu não posso. Não dá. Desligou.
Tirei o telefone do ouvido perplexa. Sem cogitar na hipótese de retornar a ligação e tentar recriminá-lo pela atitude. Bastou. Finalizei. Entendi: game over.
Depois daquele natal de 2007, jurei que nunca mais teria equilíbrio para viver em cima do muro. E nem por um decreto, morrer pensando que poderia ter dado certo se eu tivesse tentado. Agora, é hoje e no instante, já que não temos muito tempo.

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