Eu deixei de conhecer você

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Eu aposto que você está largado no seu sofá de dois lugares enquanto assiste algum filme de aventura na televisão. Deve estar cansado da semana de trabalho, dos chopps com os amigos da faculdade e até mesmo, cansado de atender o telefone sempre que aquela ruiva bonita te liga.

Você sempre foi meio cansado assim. Enjoava fácil demais de todas as coisas da sua vida, largava os planos no meio, mudava seus objetivos a cada cinco minutos e seus romances então, vish.. nunca duraram muito tempo.

Desde que eu vim conhecer o mundo, eu deixei de conhecer você. Tudo que eu lia eram informações banais nas redes sociais. Vi quando você comprou um labrador marrom e colocou o nome de Toddy. Vi quando você viajou com a família pra casa dos seus avós maternos e quando foi curtir nas boates por noites seguidas durante meses. Eu não me choquei quando notei que você mudava de trabalho como quem mudava de roupa, até ria. Sentia falta. Via você trocar de carro, de estilo, de corte de cabelo. Vi seu corpo sendo coberto por tatuagens novas. Eu não me choquei.

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O choque veio mesmo quando você se estabilizou. Vi que você comprou um apartamento em frente à praia. Que o Toddy cresceu bastante e não é mais filhotinho, e que mesmo assim, ele continua em todas as suas fotos. Vi que achou o trabalho dos sonhos e não para de falar sobre ele. Usa até terno e gravata. Largou a bermuda e o chinelo.

O choque veio mesmo quando eu notei que as mulheres sumiram. Você só aparecia com uma e o nome dela era lindo igual à ela, mas eu nem ouso em falar. Percebi que ela aparecia abraçada com a sua mãe, se dava bem com o seu irmão e até mesmo, se intitulava “mãe do toddy” no Instagram.

Foi quando minhas viagens por aqui ficaram sem graça. Parei em Veneza, me estabilizei também. Comecei a notar os casais de mãos dadas nas ruas e voltava cada vez mais solitária pro quarto de hotel com minha única taça de vinho. Comecei a sentir falta de casa, do seu cheiro, do nosso quarto desarrumado na casa dos meus pais. Senti falta de você dizendo que ia me pedir em casamento bem aqui, em Veneza, no amanhecer.

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Mas foi a ruiva quem ganhou a aliança.

Esbarrei com seus amigos anteontem, eles que me reconheceram. Vi que os olhos da sua melhor amiga se encheram de lágrimas depois de me abraçar – pelo visto, não era só eu quem sentia falta deles. Eles me contaram que sua mãe fala de mim sempre que pode, mas que você nem toca no meu nome.

Me contaram que o casamento é daqui uma semana e que eles vão ser padrinhos. Eu sorri, mas por dentro, até agora não sei bem o que ando sentindo. Quando eu peguei aquele avião e você me deu um último beijo ao me ver decolar para longe de você, eu achei que você ia esperar. Sei lá porquê diabos, já que você nunca foi muito paciente para nada. Achei que eu seria a única mulher da qual você nunca iria se cansar.

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Pensei que eu ia vir estudar arte, que a gente ia se falar pelo Skype e que você ia ser o primeiro na fila do aeroporto quando eu chegasse. Mas depois de um mês, nem minhas ligações você atendeu mais. Seus amigos falaram que você ficou com raiva de mim, porque era mais fácil do que sentir saudades.

E eu até que tô tentando sentir raiva de você, mas não consigo. Só de te imaginar vestido de pé no altar me dá vontade de pegar o primeiro voo de volta pros seus braços.

Mas não vou. Quando eu parti, resolvi te deixar. Meu amor por você ainda é o mesmo de três anos atrás, mas eu cresci, você cresceu. Você parou de cansar do resto, e resolveu cansar só de mim. E por mais que me doa a alma pensar em você agora, eu prometo continuar nesse quarto de hotel bebendo meu vinho. Amar é isso, né? Deixar ir embora mesmo que você queira impedir de ir. Você fez isso comigo, e agora é minha vez.

A ruiva vai ser a noiva mais linda que você já viu.

Mas sou eu quem vai te amar para sempre,

Até.

Deborah Sequeira

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