Vou secar essa garrafa de vinho e ver se no final tem as respostas…

Que isso não pareça uma carta suicida, mas um relato sincero de um estado pleno de cansaço mental, físico e espiritual… Alguém me disse: “você é forte”, e eu acreditei… Queria dizer a você que não se deve mentir para alguém assim, fazer essa pessoa pensar que pode enfrentar o mundo inteiro, para chegar no meio da subida ao pico do monte e as forças acabarem. Não senhor… isso não se faz.

Hoje, e talvez seja apenas hoje, essa noite, por algumas horas, eu não tenho forças nenhuma. Nenhuma… É a raiva embebecida nas lágrimas que me atrapalham a escrever, misturada à vontade de secar a garrafa de vinho e encontrar no fundo dela uma resposta… Mas eu nem sequer sei o que estou tentando descobrir. Acho que estou buscando a força que me disseram que tinha, me obrigando a mudar o passo, ainda que lentamente, ainda que absolutamente envolta pela vontade de desistir, estou procurando a tal força, talvez me obrigando a ser forte para poder ser forte. Entendeu?

Estou cansada… Cansada demais. Todo o tempo sendo toda a sorte de pessoa para que outras pessoas estejam bem com elas, comigo… Mas todos estão absortos em seu mundo e suas necessidades e estou aqui, mergulhada na fraqueza da minha própria solidão.

Você é muito dramática! É o que muita gente me diz. Sou. É o meu jeito de externar o mundo inteiro no meu peito. De dizer que eu fui a filha que a minha mãe e meu pai quiseram, a funcionária que meus patrões esperaram, a irmã, amiga, tia, sobrinha, namorada, noiva, esposa, mãe… E é certo que cada uma dessas pessoas vai apontar onde não fui o que achavam que deveria ser. Até me lembra um vídeo que ouvi hoje onde a Youtuber dizia que nós que nos conhecemos tão bem, que convivemos conosco 24 horas por dia, permitimos que outras pessoas nos façam crer que não somos aquilo que sabemos que somos.

Logo, a despeito de qualquer coisa que pensem sobre mim e qualquer julgamento que façam em relação ao meu caráter, competência e sentimento, eu sei quem eu sou. E sabe o que descobri? É solitário saber… Mas permita que eu me apresente. Sou um ser humano. É isso aí! Sabe aquela carência que você sente? Aquela insegurança? Aquela vontade de colo, cuidado, atenção, carinho, valorização? De chorar? De comer doce? De fazer xixi? Dormir? Rir? Sabe o ser humano que você é? Eu sou outro… igualzinho… I-GUAL-ZI-NHO!

Eu acho que meu cansaço é culpa da expectativa que eu mesma crio sobre mim. E da projeção que permito que essa expectativa faça na minha vida. Foi assim que eu me apaixonei pelo meu primeiro namorado e construí na minha imaginação toda uma vida ao lado dele, interrompida duas semanas depois com ele me dizendo que estava confuso. Que tinha outros planos. Como é que é? Que planos?! Eu já havia planejado tudo, estava tudo organizado!

Foi assim que vi no meu primeiro marido o homem perfeito e pintei de verde todas as qualidades que ele tinha (talvez ainda tenha), para mais tarde não suportar os defeitos que apareceram, quando banho após banho, a maquiagem foi saindo.

E assim também, acumulando um pouco de decepções e expectativas ainda maiores, eu ingressei na faculdade, num segundo casamento e na minha própria empresa, num ritmo frenético de quem não tinha tempo a perder, de quem era forte e corajosa como me disseram que eu era. Para cada coisa aparentemente errada eu dava um jeito de contornar. Fui fazendo a roda girar, conversando comigo diariamente quando eu e eu deitávamos a cabeça no travesseiro e eu me dizia: você não está feliz, e eu me respondia: você fantasia demais, isso é que é ser feliz.

Foi assim também que a primeira barriga cresceu e logo me descobri muito mãe, ao mesmo tempo que me sentia uma mãe de merda e queria voltar ao trabalho e comprar meu absorvente sozinha, sem soletrar a marca pelo telefone e frisar: cobertura seca, entendeu? E depois, com os sentimentos desajustados, eu fui tentando fazer com que tudo fosse como as pessoas esperavam que fosse.

E a cada deslize eu era cobrada por não ser capaz de manter a ordem na minha vida, na minha casa, no meu trabalho, no meu casamento, em não conseguir arrumar um horário para ir para a academia ou fazer outro curso, mudar de emprego, de cidade, de marido, de vida. Eu fui sendo… sendo, sendo… Me sentindo uma merda de pessoa sonhadora e dramática. Então, removi os sonhos e a dramaturgia da minha vida e segui apenas sendo.

A segunda barriga surgiu. Que exemplo eu fui! “A melhor mãe que alguém poderia ter”. Acabei de me lembrar do pai dos meus filhos me dizendo, complacente e quase consolador na semana passada que se tivesse que escolher entre dez mulheres para ser mãe dos filhos dele, teria escolhido a mim. Olha que coisa mais linda de se ouvir! Eu nem sabia do meu potencial para ser barriga de aluguel! E eu continuei sendo, me virando, trabalhando doente, deixando os filhos doentes, seguindo o fluxo, “seja forte”, “coloque ordem nas coisas”, “você está deixando as coisas largadas”. Eu fui segurando as cordas todas… Todas elas…

E uma a uma, elas foram me escapando… Uma a uma, as forças foram sumindo e eu fui soltando todas as que me foram possíveis soltar. Fraca. “Você não fica com dó?” Pô! Vocês não ficam com dó de mim? Esqueça! Não fiquem mesmo! Não mereço pena de ninguém. E não me cobrem esse sentimento, também. Não sinto dó, nem culpa. Não queria, mas muitas vezes sinto raiva, uma raiva que me consome.

Eu fui viver… E eu me dedico à vida, sabe como é? Onde eu me meto, eu me dedico. Não admito que duvidem da minha dedicação, porque, caramba, o que eu sei fazer melhor nessa vida é me doar, me entregar! Eu pago o preço, a pena, mas eu me entrego, eu brigo, eu luto, eu estico a mão e digo: eu estou aqui.

E de repente… eu estou aqui… Comecei parecendo uma suicida entregue a dor no peito de estar sem forças e cansada de coisas cansativas… Mas aí enquanto eu fui buscando no fundo da garrafa de vinho as respostas para as perguntas que não sei fazer, fui sentindo mais raiva e menos fraqueza. Isso me entristece… Eu não quero me transformar no tipo de pessoa que se alia a raiva para sobreviver. Mas hoje vou deixar assim…

Hoje eu vou perguntar a você que me conhece: O que você quer de mim? Que droga de pessoa você espera que eu seja, que se faz tão intolerante ao meu verdadeiro eu? Quem é você que reúne os meus sentimentos e a minha sinceridade em forma de provas contra mim? O que você que tem a minha total dedicação, por quem eu deixei de ser eu e viver a minha vida, de coração aberto, ainda quer de mim? Por que você que diz que me ama, que quer a minha felicidade, coloca em xeque o meu sentimento e a integridade do que eu sinto, o meu caráter e a pessoa que eu sou?

Às vezes eu me sinto sim uma fraude. Já falei isso tantas vezes nos últimos tempos que agora, não tão de repente, me obrigo a pensar nas minhas palavras. Quem são as pessoas que estou permitindo fazerem parte da minha vida, que me fazem ter esse tipo de sentimento sobre mim mesma? Que me fazem desconhecer a pessoa que eu sei que eu sou, com quem convivo 24 horas por dia?

Que isso, seja, então, uma carta suicida. Estou pensando seriamente em ainda hoje, matar essa pessoa que tem sido, sido, sido e sido. Em afogar os EU TE AMO que tenho jogado ao vento, em dizer que eu não mereço, não tenho e não vou explicar a ninguém como, porque e como eu quero ser feliz. Vou cortar os pulsos da pessoa que tem tentado agradar e abrigar sobre as asas um mundo inteiro e vê esse mundo buscar calor em outro lugar sem titubear. Vou aplicar uma overdose de um veneno qualquer nessa pessoa dramática, sonhadora, que fica se explicando, que fica consolando, que fica pedindo por sentimentos, quase implorando.

Quanto a mim… Vou terminar essa taça de vinho. Ver se ainda tem mais de onde veio esse, quem sabe terminar a garrafa também. E dizer que eu reconheço meu valor. E que estou cansada. Eu posso ser quem eu quiser e fazer o que quiser, sim! E morar na solidão da minha sinceridade. Conviver com a dúvida que a minha integridade gera. Quanto a mim… vou continuar viva, e rasgar o verbo de que estou cansada. Hoje, estou muito cansada. Não mereço, não preciso e não vou me submeter a viver essa vida que me tem sido imposta e a qual estou sucumbindo porque acham que será bom para a minha avó, meus pais, meus filhos, meu ex-marido, meu trabalho, meu namorado.

O que é bom para mim? Você sabe?

Bem… Talvez seja bom você descobrir! Porque se você está na minha vida e na minha história, faz parte daquilo que decidi que é bom para mim. E hoje estou bem cansada de forçar a permanência na minha vida daquilo que às vezes só eu acho que é bom.

Tim-tim!

Luciana Marques

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