ELE É O COSPLAY, BEM FEITO, DE UM FURACÃO.

Senhoras e senhores, no fim das contas ele estava coberto de razão: Eu nunca tive maturidade para amar pelas beiradas. Julguei ser possível. Teimei ser possível. E cá estou juntando os cacos de um coração desnecessariamente partido. Nossa história foi cosplay de um furacão. Previsto, alertado, mas, no entanto, incontrolável. E eis o grande dano: Fui carregada ventania a fora por esse amor que só existiu do lado de cá. Confesso que meus pés saíram do chão desde nosso primeiro olhar. Tentei, inutilmente, lutar a favor da gravidade, mas já havia atirado-me montanha abaixo antes mesmo do primeiro beijo. Perdi. E nem esforcei-me para obter outro resultado. Perdi de forma integral, com sorriso no rosto e alma leve, pois, naquele momento, perder o jogo significava tê-lo aqui, e por um bom tempo essas migalhas de relacionamento pareciam-me bastar.

Infelizmente, para prejuízo do nosso emocional, o amor não se alimenta só de presença. É preciso esperança, confiança em tempos melhores, tempos de justiça e reciprocidade. Tempos em que o amor é devolvido na mesma moeda. E foi nessa necessidade que minha desprendida perda começou corroer-me a alma. Foi neste ponto, quando percebi que havia perdido a fé no que poderíamos ser, que nosso furacão incontrolável se dissipou, e com os olhos livres, vi a devastação que havia aqui dentro. Caro leitor desta pseuda carta aberta, este não é um texto que vise a empatia ou compreensão. Não é uma carta de amor, é só um relatório de danos.

Uma leitura que não será fielmente compreendida em nenhuma parte do mundo, em nenhum idioma  ou interpretação, porque só eu conheço o efeito dele, e muito contrária a minha vontade, declaro-me viciada e refém de tal presença. As recordações de nossa tempestade ainda são nítidas em cores e aromas. O primeiro abraço, o primeiro olhar. Aquele olhar. O tipo de substância que te aprisiona no primeiro contato. O mesmo olhar que transformara a vaidosa em tímida, que fazia-me tropeçar nas palavras e nas calçadas.

Havia tanta beleza nele.  Ainda há. A dor de sua ausência não consegue minimizar a exuberância de sua singularidade, do jeito despreocupado que despertava paixão de verdade, baseada em verdade, sem promessas, sem ilusão, sem mentiras, sem compromisso… sem amor a longo prazo previsto.

Gostaria que minha atenção não tivesse se limitado aos seus olhos. Então teria dedicado maior tempo ao sorriso de menino, e ficaria igualmente hipnotizada. Desconecta do mundo ao redor. O primeiro sorriso entre beijos, eu recordo com perfeição. Eu espiei. Sempre espiei. Uma grande trapaça, eu sei, mas por aquele sorriso eu burlaria toda e qualquer lei do beijo. Sou incapaz de dissertar o que senti. Posso falar sobre o clima da tarde, a data, o local, a cor da camisa, o dia da semana, mas não sobre o que aconteceu aqui dentro. Se serve como ilustração, aquele sorriso me faz sorrir sempre que é lembrado. Inclusive neste exato momento, enquanto escrevo meu relatório de danos e perdas.

O efeito dele é inebriante, anestesiante. Me envolveu em uma bolha de sensações desconhecidas, tornou-me dependente, independe do depois. Todo segundo valia a pena. Quantas fugas por esse vício? Quantos atrasos para chegar ao trabalho? Quantas inadimplências de minha parte, só por um segundo do efeito dele.

Trazia pecado ao pensamento, desejo proibido ao corpo ainda tão inexperiente. Meu furacão repleto de paz e confusão, ternura e frieza. Alegrias inocentes, passos premeditados. Liberdade e cárcere. O efeito dele não passa, fica gravado na alma. Deixa saudade mesmo quando o arrependimento chega. O efeito dele vai ser base comparatória para todos que vierem depois. O efeito dele me transformou, me transtornou e se tornou parte de mim. O efeito dele é essa destruição toda que fica pra trás, quando ele resolve partir e inquietar outras vidas. A intensidade singular desse efeito esta impressa nas minhas veias, que em abstinência ainda tentam compreender o que tão prematuramente lhes fora furtado.

Deborah Anttuart

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